Vamos
acabar com o "teatrinho"?
Julio
Carrara
Quando
fundei a Cia. das Artes Dramáticas, em março de 1995, tinha como
meta montar espetáculos destinados aos tennagers. O grupo
todo era composto por jovens na faixa de 13 a 18 anos. Eu também
era jovem e queria discutir assuntos da minha idade.. Foram 7 espetáculos consecutivos abordando essa temática. Queria
fazer algo diferente. Naquele momento não rolava montar textos
adultos pois não dispunha de atores mais velhos.
Um
dos atores me sugeriu que
montássemos um infantil. Não aceitei, evidentemente. Tinha horror
desse gênero. Todos os infantis que tinha assistido ou lido até
então, eram bobos, didáticos demais, sempre com um personagem
com aquele “dedinho em riste” e aquela horrenda moral da história.
Pior que isso, eram as cópias mal-feitas que faziam dos clássicos
da Disney. Adoro a Disney, mas ver A Pequena Sereia, Alice
no País das Maravilhas entre outras, não dava pé.
Crianças
não são bobas. A maioria dos adultos tem o péssimo hábito de enxergá-las
assim. São mais espertas que muitos adultos. Queria um texto que
não subestimasse a inteligência delas. E não conseguia encontrar
nenhum.
Já
estava perdendo a esperança quando caiu um
texto nas minhas mãos: A Sopa de Pedra, da maga
da literatura e do teatro infanto-juvenil Tatiana Belinky. Consegui
encontrar neste texto todas as qualidades que procurava. O texto
estava muito longe de ser bobo, didático, sem aquela moral da
história. A moral existe, sim, mas está implícita no próprio texto.
É um texto que “abre a cabeça” e não “faz a cabeça”
da criança.
Fiz
questão de conhecer pessoalmente essa dama que mudou radicalmente
minha visão sobre o teatro infantil. E assim que a conheci, me
presenteou com mais textos de sua autoria, além de um ensaio-tese
que seu marido Júlio Gouveia fez para um Congresso de Educação,
imediatamente despertou
em mim o prazer de dirigir espetáculos para crianças.
Tatiana
foi responsável pela primeira adaptação do Sítio do Picapau Amarelo
para a TV, na antiga TV Tupi, entre as décadas de 50 e 60. Bem,
mas isso é outro assunto que fica para um próximo artigo.
E
através da Tatiana conheci uma outra gama de autores que escreviam
seguindo os ensinamentos da mestra: Ricardo Gouveia, Cláudia Dalla
Verde, Zeca Capellini, Vladimir Capella e Gabriela Rabelo, todos
com textos incríveis e que me mostraram que existe a possibilidade
de fazer um trabalho de qualidade para essa faixa etária.
Alguém
poderia me responder por que o teatro infantil é tão desvalorizado?
Por que os ingressos são mais baratos? Por que tem pouco
espaço na mídia? Por que os grupos que montam infantis só podem
usar o proscênio de um teatro porque não podem desmontar o cenário
de um espetáculo adulto? Já está na hora de mudar essa visão deturpada
que a maioria das pessoas têm a esse respeito.
O
teatro adulto tem como função discutir questões sociais. Já o
infantil visa o lado
educacional, preparando o adulto de amanhã. Como o adulto vai
discutir questões sociais se não teve um embasamento na infância?
Muitos
grupos que estão em cartaz atualmente com espetáculos infantis
parecem desconhecer o real significado do seu ofício. Sorteiam
brindes para as crianças como se a
apresentação não fosse um presente por si só, confeccionam
cenários e figurinos belíssimos, que enchem os olhos dos pequenos
com o objetivo de encobrir a idiotice do texto, a fragilidade
da direção e a má interpretação dos atores.
A
maioria dos espetáculos parecem programas de auditório, onde os
atores ficam com aquele jogo de perguntas para as crianças e o
que ouvimos é uma gritaria infernal que nada tem a ver com a emoção
verdadeira. Pior que isso, são alguns professores que instigam
os alunos a baterem palmas enquanto toca alguma música ou quando
os atores cantam. O ideal seria que os adultos não acompanhassem
as crianças. Mas infelizmente, isso não é possível. E não é porque
a criança está parada, quieta,
acompanhando o espetáculo, que ela está passiva.
Basta
de cópias dos clássicos da Disney, chega de textos didáticos e
infantilóides, de diretores e atores que não conhecem a alma infantil.
Se algum leitor montou ou tem interesse em montar espetáculos
infantis, leiam os textos de Tatiana Belinky e assistam as montagens
do Vladimir Capella. Façam isso e depois me contem. Garanto que
a visão que vocês têm a respeito do teatro infantil nunca mais
será a mesma.
Julio Carrara
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